Produção familiar de caprinos muda vidas na Bahia

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Uma iniciativa pioneira, o Laticínio Da Cabra, está promovendo a diversificação da produção da agricultura familiar e contribuindo para o aumento de renda dos produtores e a garantia da segurança alimentar para mais de 200 mil famílias

Organização: Fundação Apaeb

Reportagem: Mylena Melo e Ana Naara SIlva
Fotos: Ana Naara

No semiárido do nordeste, a criação de caprinos é uma prática ancestral. Tanto é que a carne de bode está presente em pratos tradicionais, como a buchada e o sarapatel. O que começou nos tempos de colonização, hoje é uma das principais atividades econômicas da região, que tem o maior rebanho de caprinos do país. Mas, por muito tempo, só a carne foi explorada para fins comerciais. História que está mudando no Território do Sisal, na Bahia, depois que o Laticínio Da Cabra foi criado, nos anos 2000, pela Associação de Desenvolvimento Sustentável e Solidário da Região Sisaleira (Apaeb). Os produtores participaram de capacitações para fazer o manejo adequado dos animais e o laticínio passou a comprar o leite cru e beneficiá-lo, produzindo não só o leite pasteurizado, mas também queijos, iogurtes e doces. 

Atualmente, 34 famílias, dos municípios de Valente, São Domingos, Santaluz, Retirolândia e Gavião, fornecem para a agroindústria, que beneficia cerca de 15 mil litros de leite por mês. Uma pequena parte dos produtos é direcionada à venda no mercado convencional, em dois pontos comerciais em Valente, que oferecem preços reduzidos à comunidade; em outros municípios da Bahia, incluindo aí Salvador e região metropolitana; e em feiras, onde os produtos também podem ser degustados. A maior parte da produção, cerca de 80%, vai para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e é distribuída a famílias em situação de vulnerabilidade social. Ou seja, ao mesmo tempo em que amplia as fontes de renda e diversifica a produção da agricultura familiar na região, o empreendimento também democratiza o acesso ao leite de cabra, que é mais caro que o de vaca, e contribui para a garantia da segurança alimentar e nutricional de mais de 200 mil famílias atendidas pelo Programa no Estado. 

Além de comprar o leite das famílias a um preço superior à média da região, beneficiá-lo e fazer a comercialização dos produtos, o laticínio ainda oferece assistência técnica às famílias, disponibiliza um veterinário para atender os rebanhos e facilita a compra de ração, para baratear o gasto com os insumos e aumentar a renda dos produtores. O gerente do laticínio, Charles Nilton, ainda afirma que a iniciativa está evitando o êxodo rural, comum na região. 

Todas as 34 famílias que fornecem para o laticínio produzem o leite com base nos princípios da agroecologia. Para garantir a qualidade do produto final, o leite passa por uma análise ultrassônica e a partir deste ano também passarão a ser realizados testes de antibióticos. Os produtos beneficiados possuem o Selo do Serviço de Inspeção Estadual (SIE), que garante a qualidade e segurança sanitária dos alimentos, e permite a comercialização em todo o estado da Bahia. Ainda têm o Selo de Identificação da Participação da Agricultura Familiar (Sipaf), que fortalece a identidade dos produtos e os diferencia na prateleira do supermercado. No mercado institucional, o carro chefe é o leite pasteurizado. Já no mercado convencional, quem ganha destaque é o queijo.

O laticínio representa a principal fonte de renda de muitas famílias da região, caso de dona Iramaia, seu marido, Lídio, e a filha mais nova do casal, Thailane. Durante quase toda a vida, eles migraram de cidade em cidade, em busca de emprego. Lídio trabalhando como vaqueiro ou nas roças de terceiros. E Iramaia cuidando das tarefas domésticas, de plantações e de criações de animais para o consumo da família. Foi só em 2017 que eles estabeleceram residência em uma pequena propriedade em Lagoa Redonda, na zona rural de Valente (BA), e começaram a estruturar a produção de caprinos que, hoje, corresponde à maior parte da renda da família. O carro chefe é o leite, vendido exclusivamente para o Laticínio Dacabra, mas a carne também é comercializada no mercado territorial. 

Todo dia, de manhã bem cedo, a família se reúne para fazer a ordenha das cabras. Em seguida, o leite é armazenado no resfriador com capacidade para 100 litros, cedido pelo laticínio à família. Dia sim, dia não, Lídio sai da ordenha e vai direto para a unidade de beneficiamento, a 11 quilômetros de distância, fazer a entrega do leite fresco. Enquanto isso, Iramaia e Thailane cuidam de um quintal que é essencial para a garantia de segurança alimentar e nutricional da família, onde há couve, cebolinha, alface, tomate, pimentão, pimenta, mamão, umbu, cajá, maracujá do mato, acerola e plantas medicinais. Tudo o que não é consumido pela família ou comercializado, é doado para vizinhos, ou trocado por outros produtos, o que fortalece os laços comunitários na região e a economia solidária. 

Inicialmente todo o investimento no laticínio partiu da Apaeb, mas a busca ativa por parceiros que pudessem alavancar o empreendimento rendeu parcerias com sindicatos da região, com a Fundação Kelloggs, com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com a Petrobras, com a Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), vinculada ao governo do Estado da Bahia. Assim, foi possível investir em melhorias na cadeia produtiva e na formação técnica das famílias. Hoje o Laticínio utiliza aproximadamente 60% de sua capacidade produtiva. Ou seja, houve um grande salto na produção e comercialização do leite caprino na região e ainda há mais espaço para ampliação do mercado. De acordo com a gestão do Laticínio, é possível aumentar a produção, desde que haja, também, aumento da demanda.