Na manhã da última terça-feira (15), o município de Valente, localizado no Território do Sisal, sediou a Audiência Pública “Segurança Alimentar e Nutricional em Valente: Caminhos Políticos para Garantir Comida de Verdade com Produção Agroecológica”. O evento reuniu representantes do poder público municipal, vereadores, secretarias, conselhos de direitos, organizações da sociedade civil, agricultores e agricultoras familiares, profissionais das áreas da saúde e educação, estudantes da EFA Valente, além de cidadãos e cidadãs comprometidos com a construção de políticas públicas que promovam o direito humano à alimentação adequada e saudável no município.

A mesa de abertura contou com a condução do vereador e presidente da Câmara Municipal, Genilton Moraes, e da vereadora Juvanda Gomes. Também participaram da atividade os vereadores Robinho do Cabochard, Vado do Hospital e Guinho de Ivo. Representando o Executivo, fizeram uso da palavra a secretária de Educação, Maura Miranda, e o secretário de Desenvolvimento Econômico, Agricultura e Meio Ambiente, Adevaldo Silva. A sociedade civil esteve representada por Julivaldo de Jesus, presidente do SINTRAF Valente e da União das Associações Comunitárias (UAC).

Durante a audiência, foi apresentado o Projeto Cultivando Futuros, suas ações no município e os resultados do processo de escuta e pesquisa realizado junto à comunidade local entre 2024 e 2025, que culminaram na construção de um estudo sobre os sistemas agroalimentares de Valente. Esse diagnóstico permitiu identificar os marcos que moldaram a história alimentar do município, bem como as mudanças nos hábitos alimentares e na produção de alimentos da década de 90 até os dias atuais, além de mapear os fatores que influenciaram as mudanças.

Os dados levantados revelaram tendências preocupantes, como a redução no consumo de alimentos saudáveis e o aumento da presença de alimentos ultraprocessados no cardápio da população, mesmo diante de avanços em políticas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Outra mudança significativa identificada foi a alteração nos canais de comercialização: circuitos curtos, economia solidária e práticas de autoconsumo perderam espaço para os supermercados, que tem mais resistência para absorver a produção local.
Apesar dos desafios, também foram destacados avanços, como o surgimento de novas feiras agroecológicas e pontos de comercialização da agricultura familiar. Uma análise detalhada dos fluxos dos alimentos locais, apresentados em forma de diagrama, revelou o papel estratégico do mercado institucional (PNAE e PAA) para alimentos como hortaliças, leguminosas e produtos de origem animal. Já frutas, raízes e tubérculos seguem subaproveitados nesses canais. O pequeno varejo, por sua vez, mostrou-se um ambiente favorável para a introdução de produtos locais, sobretudo pela facilidade de negociação e menor exigência técnica.
Outro ponto de destaque foi o papel do Mercado Territorial, único canal que abrange todos os tipos de alimentos identificados no estudo. Esse mercado valoriza a diversidade produtiva e a identidade cultural, favorecendo a aproximação entre produtor e consumidor.

A programação seguiu com uma mesa temática que reuniu representantes da gestão pública e da sociedade civil para discutir caminhos de fortalecimento dos mercados territoriais e do abastecimento de alimentos saudáveis. Participaram a vereadora Juvanda Gomes, a secretária de Educação Maura Miranda, o secretário de Agricultura Adevaldo Silva, a nutricionista Ramona (do setor de alimentação escolar), a técnica do PAA Celita Lima e Julivaldo de Jesus (SINTRAF/UAC). Entre as políticas públicas destacadas como fundamentais estiveram o PNAE, o PAA, a ATER pública, o Garantia Safra, os projetos de cisterna e a educação contextualizada do campo. Também foram apontados como espaços prioritários de participação e controle social os conselhos municipais de Alimentação Escolar, Meio Ambiente e Segurança Alimentar.

Durante sua participação, a secretária Maura Miranda destacou a importância da atuação conjunta entre governo e sociedade civil para assegurar o direito à alimentação: “É imprescindível que as gestões públicas e as organizações sociais comunguem, estabeleçam e regulem políticas essenciais para garantir o direito à alimentação a todos, com segurança, qualidade e continuidade, como direito humano fundamental. Para que todo direito seja conquistado, sempre foi necessário ao longo da história ter pessoas e ter coletivos, organizações e movimentos sociais que possam militar, que possam pautar, que possam recorrer aos órgãos responsáveis ou corresponsabilizar estes órgãos para que este direito seja conquistado e efetivado”, afirmou.
Também os debates da mesa temática, a técnica do PAA no município, Celita Lima, apresentou iniciativas que estão em andamento como a construção do Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional e a proposta de criação do Programa “Valente Sem Fome”, voltado ao enfrentamento da insegurança alimentar no município, propostas estas que foram elencadas pela comunidade durante o decorrer das oficinas do Cultivando Futuros. Também foi anunciada a implantação de novas cisternas escolares, resultado de um esforço intersetorial entre as secretarias de Agricultura e Educação.

Ainda como sinal de fortalecimento da produção local, foi compartilhada pelo secretário de Agricultura, Adevaldo Silva, a perspectiva de reestruturação de organizações produtivas como a APIVAMEL e a COOPEV, além da reativação de uma unidade de produção de alimentos na comunidade de Recreio. Outro anúncio importante foi o processo em curso de demarcação de um espaço específico no município para a comercialização de produtos da agricultura familiar.

O público presente participou ativamente do debate, levantando reflexões, questionamentos e sugestões. Um dos temas que gerou maior mobilização foi o aumento do uso de agrotóxicos no município, especialmente para a limpeza de pastagens. Foram relatados casos de perda de plantações de palma e morte de abelhas, o que gerou preocupação com os impactos ambientais e na saúde humana. Outro ponto levantado foi a necessidade de maior controle e transparência na comercialização de alimentos identificados como agroecológicos, uma vez que há registros do uso de sementes transgênicas em hortaliças e rações industriais para aves.

Essas preocupações foram incorporadas às propostas de incidência política para os próximos anos, entre elas a criação de um Programa Municipal de Redução de Agrotóxicos, com a instituição de um cadastro de comerciantes e usuários de defensivos agrícolas, além de ações de sensibilização, fiscalização e incentivo a práticas agroecológicas.

Nesse contexto, o vereador Guinho de Ivo parabenizou a organização da audiência e reforçou a importância do debate sobre o uso de agrotóxicos. Ele levantou questionamentos sobre a existência ou não de índices de resíduos de agrotóxicos nos alimentos adquiridos para a alimentação escolar e anunciou a intenção de apresentar um Projeto de Lei que obrigue o município a realizar o controle tanto da produção quanto da comercialização desses alimentos, garantindo maior segurança e transparência sobre a qualidade dos produtos oferecidos à população, especialmente nas escolas.
Ao final da audiência, foi apresentado um QRCode que direcionava para um formulário com propostas organizadas por eixos temáticos. As proposições foram construídas coletivamente ao longo do desenvolvimento do projeto Cultivando Futuros e discutidas durante a própria audiência. Os participantes puderam selecionar duas propostas prioritárias por eixo, que integrarão uma carta-compromisso a ser firmada para os anos de 2025 e 2026, com o objetivo de fortalecer políticas públicas de segurança alimentar e nutricional no município. A carta será assinada por vereadores/as, secretários/as, conselhos de direitos, organizações da sociedade civil, agricultores e agricultoras, profissionais das áreas de saúde e educação e estudantes da EFA que se fizeram presentes na atividade.
MAIS INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO CULTIVANDO FUTUROS
O “Cultivando Futuros” – Transição agroecológica justa em sistemas alimentares do semiárido brasileiro é uma experiência que busca promover a transformação agroecológica e fortalecer a soberania alimentar e nutricional no Semiárido nordestino. A iniciativa se destaca pelo seu enfoque no fortalecimento de organizações da sociedade civil como estratégia para a incidência em políticas públicas voltadas para a agricultura familiar.
Está sendo executado em 20 municípios do Semiárido Brasileiro por 12 organizações da Rede ATER Nordeste, que atuam nos estados da Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe.
Como resultado das oficinas realizadas nos municípios onde o projeto atua, será lançada uma coletânea composta por 12 livros que retratam a trajetória dos sistemas agroalimentares locais, destacando seus avanços, desafios e perspectivas. Essa produção tem como objetivo servir de referência para a atuação política de lideranças comunitárias e movimentos sociais, fortalecendo sua capacidade de incidência nos espaços de decisão nos âmbitos municipal, estadual e federal.
A iniciativa é fruto de uma parceria entre a Rede ATER Nordeste de Agroecologia, a AS-PTA e a organização alemã Brot für die Welt (Pão para o Mundo). O projeto conta ainda com financiamento do Ministério Federal da Alimentação e da Agricultura da Alemanha (BMEL).
Interessados em saber mais sobre as discussões da Audiência Pública podem acessar o link a seguir: https://www.youtube.com/live/8KVdLagZRt8